– Preferia não fazê-lo? – repeti, como um eco, levantando-me muito nervoso e atravessando a sala em grandes passadas.
– O que está querendo dizer com isso? Por acaso ficou louco? Quero que me ajude a conferir esta página. Tome aqui.
Estendi-lhe o documento. Mas Bartleby insistiu:
– Preferia não fazê-lo.
É este o espírito do consagrado conto de Herman Melville publicado pela primeira vez em 1853. É um livro bem curto, de umas 70 páginas, bem legal de se ler. E só para avisar, não vou soltar spoilers nesse post.
“Bartleby, o escrituário” (Bartleby, the Scrivener: A Story of Wall Street) retrata os estranhos hábitos do jovem escriturário do título. Ficamos sabendo sobre Bartleby através do narrador da história, um advogado experiente de Nova York que contrata Bartleby para trabalhar junto com outros dois escreventes Nippers e Turkey e o office boy Ginger Nut. Nippers é um cara estourado e Turkey costuma encher a cara, mas os dois se compensam pois à tarde Nippers é mais calmo e Turkey está sempre sóbrio pelas manhãs.
No começo, Bartleby faz suas obrigações, produzindo cópias de documentos de alta qualidade, mas logo em seguida prefere não fazer mais nada. Todos no escritório ficam malucos, como é mostrado no trecho acima, o que faz com que o narrador busque conhecer melhor seu novo empregado, seu passado e qual a causa para esse comportamento tão bizarro. Ele tenta de tudo para compreender melhor quem Bartleby é, mas tudo o que consegue ao fazer qualquer tipo de pergunta é: “preferia não fazê-lo”. O narrador começa a ter um sentimento complexo em relação ao jovem escrivão, uma mistura de raiva por ele se recusar a tudo sem motivo aparente, intimidação pela sua calma e misteriosidade e compaixão por ser um rapaz solitário, pálido e calmo.
Alguns dias se passam e o narrador descobre em um domingo antes de ir à igreja, quando a Wall Street está totalmente deserta, que Bartleby está morando no escritório. Isso incomoda o velho advogado de um jeito inexplicável, o que irá aumentar o mistério da trama, e também a tensão entre os dois.
O conto de Melville é amplamente conhecido e influente hoje em dia, apesar de não ter sido reconhecido na época. Já vi muitos artigos acadêmicos relacionando a trama de Bartleby com assuntos de psicologia, existencialismo e filosofia. Em um congresso sobre fenomenologia e existencialismo, lembro de uma palestrante utilizar o conto para ilustrar sua fala sobre o vazio existencial e o fechamento do horizonte do ser. E, após ler o livro, parece realmente ser uma história sobre claustrofobia, alienação e total solidão. O modo como o escritório é descrito, com poucas janelas, sendo que haviam muros altos bastante próximos que bloqueavam o sol, já serve como indicador do confinamento sofrido pelos personagens. É comum achar na internet análises dizendo que Bartleby é uma pessoa totalmente alienada de humanidade e de propósitos, como se recusa-se a fazer parte da sociedade. Como o grande Jorge Luis Borges aponta na introdução da edição que possuo do livro, “Bartleby, o escrituário” é um precursor do estilo de Franz Kafka, compartilhando o senso de absurdo, de mistério, de algo deste nosso mundo que dá vontade de gritar e que nos perturba. Isso é verdade, pois o peso da burocracia, a maquinização do homem e a falta de sentido nas atividades humanas podem ser encontrados no conto de Melville.
Ao acabar de ler o livro, não sabia direito o que pensar. Com certeza eu gostei, mas a digestão não é facil. O personagem é tão bizarro que a gente fica matutando sobre ele por bastante tempo; você pode não compreender direito as coisas mas mesmo assim a história te pega. Enfim, achei um livro muito interessante e misterioso, é um clássico que sempre tive curiosidade de ler, sem falar no estilo narrativo bastante prazeroso do autor. Me deu vontade de conhecer o épico sobre baleia, Moby Dick.
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